Sobre a brevidade da vida e o Quarto ao Lado
Em Sobre a Brevidade da Vida, Sêneca expõe nossos medos e lamentações pelo tempo curto que temos, o que leva muitos a viverem apenas nos preparativos para a vida. Ele diz que não dispomos de pouco tempo, mas que desperdiçamos muito, diluindo-o em luxo, preguiça, distrações. A vida será longa se soubermos utilizá-la, se lembrarmos de reservar tempo para nós mesmos, para conhecer e guiar a si mesmo. Sêneca cria um diálogo imaginário em que pergunta a uma pessoa idosa: quantas pessoas saquearam sua vida sem que você percebesse o que estava perdendo? Quanto lhe subtraiu uma tristeza inútil? Ele nos convida a calcular quanto desse tempo foi dado a um credor, a um cliente, a uma desavença. Nada é mais estranho para o homem ocupado do que viver. E pergunta ainda: não te envergonha reservar apenas as sobras de sua vida para o aprimoramento da alma, destinando a ela somente o tempo que não pode empregar em mais nada? E quanto seria insensato começar a viver justamente quando é hora de partir. Para aqueles que souberam gastar seu tempo, outra questão: mais difícil que aprender a viver é aprender a morrer. A vida se apressa, e a morte chega – e será preciso ter tempo. Saber viver e saber morrer talvez sejam as questões filosóficas mais urgentes.
Essas questões atravessam a obra e a vida de Sêneca, o filme O Quarto ao Lado, de Almodóvar, e a partida de Antônio Cícero. Tenho uma hipótese: aqueles que não protelaram, que não dependeram do amanhã, souberam partir. Não amaram nem sofreram por preocupações alheias. Tinham convicção de que a vida não está acima de tudo, não é o valor supremo absoluto. Tinham convicção sobre si mesmos. Tiveram uma vida bonita, interessante, e souberam terminá-la com elegância, governando a si mesmos. E mais: a vida interessante desses personagens contribuiu para a coletividade, para a ideia de pertencimento, e por isso a partida foi menos solitária. Viveram vidas que valeram ser vividas e se esforçaram em dar atenção a isso, sem se entediarem, como disse Calligaris em O Sentido da Vida. Carregaram a morte nas mãos e perceberam que ela poderia ser leve, e que haveria “muitas formas de viver dentro de uma tragédia.”