As Bestas: reflexões sobre democracia
O filme As Bestas, dirigido por Rodrigo Sorogoyen, retrata a história de um casal de franceses que se muda para a Galícia, onde restauram casas abandonadas e as devolvem à população de forma gratuita. O casal realiza essas restaurações com o intuito de retribuir à comunidade o que receberam, buscando, ao mesmo tempo, um local mais tranquilo e próximo da natureza.
Paralelamente à história pacífica do casal, surge a proposta de instalação de um parque eólico na região, que poderia transformar a realidade de miséria da maioria da população local. A compra das terras por uma multinacional representava uma oferta financeiramente vantajosa para os moradores, mas os obrigaria a deixar suas propriedades. O francês questiona o que os nativos fariam após deixarem a comunidade, argumentando que, embora recebessem o dinheiro, não teriam formação para trabalhar em outros lugares, poderiam perder o valor recebido em pouco tempo e, além disso, ficariam sem suas terras.
Por esses e outros motivos, o casal de franceses se opõe ao projeto. O voto contrário dos estrangeiros acaba limitando a possibilidade de ascensão social da comunidade, tornando-se um obstáculo para a mudança e a dignidade das pessoas locais. Os estrangeiros passam a ser vistos como aqueles que condenam a população local à miséria, roubando seu futuro.
A violência, então, começa a se infiltrar de forma sutil ao longo do filme, indo desde a tortura psicológica até culminar em agressões físicas, abrindo espaço para discursos xenófobos, ressentimento e ataques diretos. As diferenças entre os estrangeiros e os locais se intensificam, transformando o cenário bucólico em um ambiente aterrorizante e perverso.
O filme narra a suspensão do diálogo. A violência interrompe a política, expondo a impossibilidade de comunicação entre pessoas próximas — vizinhos, comunitários com condições financeiras semelhantes. Isso revela o fracasso da racionalidade e da democracia na comunidade. A vitória da violência é, na verdade, a derrota de algo profundamente humano: a coexistência de seres diferentes e essencialmente iguais.
A democracia só pode existir onde há diálogo, e o diálogo só se sustenta com o respeito à dignidade do outro, reconhecendo-o como um fim em si mesmo. Nesse contexto, o diálogo democrático não evita o confronto de ideias, mas valoriza a discussão como um meio legítimo de resolução de conflitos, rejeitando qualquer tentativa de eliminar o outro pela violência.
Tática frequentemente utilizada por líderes não liberais para fomentar a irracionalidade e a violência é direcionar a raiva para indivíduos específicos, que passam a ser responsabilizados por todos os problemas sociais. O ressentimento se instala, e, em vez de se buscar as causas estruturais que limitam o acesso a direitos básicos, como renda e condições de vida dignas, a culpa é atribuída ao “outro”, que é imaginado como o responsável pela falta de ascensão. Nesse processo, o verdadeiro foco deixa de ser a superação das condições sociais, políticas e econômicas, e o alvo passa a ser o outro. Assim, a possibilidade de coexistência é destruída, junto com a própria democracia.